domingo, 16 de agosto de 2009

Caminho vermelho


Thangka de Tara Vermelha por Tifanny H. Rezende para o CEBB de Viamão


"Hoje não podeis ver nem ouvir, e é melhor assim
Mas um dia o véu que cobre vossos olhos será retirado pelas mãos que o teceram
E a argila que obstrui vossos ouvidos será rompida pelos dedos que a amassaram
Então vereis
Então ouvireis,
E não deplorareis ter conhecido a cegueira e a surdez,
Pois naquele dia, compreedereis a finalidade oculta de todas as coisas
E abençoareis as trevas, como abençoais a luz."

Khalil Gibran


Tenho vivido experiências muito profundas, um caminho que se descortina a cada passo que dou. Me perguntei esses dias, porque há tanto tempo que busco, apesar de tudo sempre acontecer como mágica e do conhecimento se ampliar cada vez mais, porque não cheguei a determinados pontos antes? Então, compartilho com vocês do meu pequeno caminho que está apenas começando numa outra consciência que era tão clara em conceitos e conhecimento mas que agora se torna parte de mim porque a vivo.
Sobre minha história, sempre fui aquela em que muitos viam potencial na espiritualidade. Era aquela que sabia falar sobre muitos temas, argumentar, discorrer, de tanto querer conhecer. Também era aquela que apesar de se enturmar com facilidade como uma criança curiosa nos grupos, me escondia dentro deles, apenas contemplando, participando nos bastidores ou no meu mundo particular onde a poucos era permitido entrar. Essa era a Alessandra em sua busca espiritual, que por meio das palavras se sentia um pouco mais livre, mas que estava na prisão dos conceitos que criou pra si mesma.

Minha arrogância não me levaria muito longe, tampouco a tentativa de me enquadrar nos conceitos que criei pra mim. Em nenhum deles me encaixei a vida toda, aliás inadequação é um sentimento que me acompanha desde muito cedo, hoje compreendo um pouco mais suas razões.
Admirava os espiritualizados que eu considerava avançados no caminho. Pra mim eles eram muito calmos, tolerantes, carinhosos, bons. Tinham tudo tão claro e viviam suas vidas em muita coerência com o que acreditavam, praticando com muita dedicação, tendo a noção exatada do que fazer a cada momento, qual atitude e energia empregar, enfim, esse era meu conceito das pessoas espiritualizadas que eu admirava.
Assim, tentei abolir minha agressividade durante anos, achando que era inadequada ao mundo espiritual, tentei me esconder atrás da minha coragem, minha ousadia não parecia combinar com meu conceito de humildade. Silenciei minhas opiniões, meus pensamentos, afinal, era tão iniciante e tão má praticante que não poderia dizer nada muito importante em meio a pessoas tão lúcidas.

Esse foi o caminho que trilhei pra adoecer. Esse foi o caminho que me levou a apatia, fraqueza por um único motivo: estava tentando trilhar um caminho que não era o meu.

Como um leão dopado, levantei muito fraca. Estava numa angústia que me reprimia  numa dor que parecia a morte, numa confusão que parecia loucura. Mas o leão dentro de mim urrava baixinho, rastejava, cheirava, fuçava. Então, de dentro da dor profunda, o que tanto pedia e era incomprendida aconteceu: apareceu um caminho diferente.
Despertei com muitos nascimentos que foram- me dados de olhares especiais. Tão intenso que isso se tornou, resolvi me submeter a experiência do silêncio profundo e do encontro comigo cara a cara, no escuro. Por fim, me entreguei a uma pessoa que chamo de "mãe espiritual" (já que ela não se considera uma mestra) e deixei que ela fizesse comigo o que quisesse. Permiti que me submetesse as experiências que achasse necessárias e pela primeira vez na vida não questionei, não duvidei, não pensei. Me entreguei nua a viver o que quer que tivesse de viver, tinha fome de experimentar, tinha fome de sentir na carne, de poder falar por mim mesma.
E foi isso que aconteceu.
Ali descobri a plenitude, o leão começava a mostrar sua força pouco a pouco, e seu coração estava cheio de amor. O rugido começou fraco, até que se manifestou, literalmente, a plenos pulmões. A força do leão era sua ira cheia de amorosidade. Ele não precisava mais brigar, nem lutar contra, ele só precisava usar toda sua coragem e ira naturais pra avançar, experimentar , ir além, mas desta vez amando.

Desde então algo mudou. Os conceitos estão perdendo cada vez mais força. Porque aprendo que uma coisa é um nome que se dá a algo, mas viver isso é imensamente diferente e só a experência nos dá a dimensão exata do conceito. Aprendi que raiva é uma coisa, ira é outra, agressividade é uma coisa, firmeza outra. Ser honesta é bem mais profundo que apenas falar a verdade. Não ter medo é bem diferente de ter coragem.
Têm me dito que sou corajosa e na verdade, sempre tive boa disposição pra viver o que quer que fosse mesmo com muito medo. Mas não sabia que minha coragem existia cravada na minha alma e que pode inspirar muitas pessoas, como tantas outras me inspiram. Então, se quero colaborar em algo com o mundo, o melhor que faço é a partir da minha própria história. É me expondo, mas com proteção. É mantendo a inocência, que me faz ter tão pouco medo na vida. É praticando a coragem pra abrir caminhos, sentir isso como meu caminho é a bênção do segundo nascimento.


A coragem da compaixão irada é vermelha, da cor do coração cheio de sangue.




20 comentários:

Anônimo disse...

Que lindo, Alê!
Fico feliz com esse leão solto por aí! Abraço forte pra ti.
Stela

Anônimo disse...

É Tigresa, nada como sentir o amor de seres corajosamente lúcidos... Fico feliz por tua honestidade e disposição em fazer o mundo ouvir seus rugidos!

Beijos com carinho.

Renata Rainho disse...

é isto aí leoa bota pra fora....

Prof. Ms. André Camargo disse...

bacana, alê, seu depoimento.

:)

bjoks

andré

Anônimo disse...

Querida Alê, que lindo tudo isso!!!Saudades, Carinho,
Dani

ckober disse...

Quem te conhece um pouquinho, em ação e sem reação, sabe de cara da tua força incrivelmente poderosa e empreendedora. E também compreende cada uma de tuas palavras.Mesmo que sussuradas nas entrelinhas. Continua teu caminho de luz, de auto-conhecimento, pois só dele virá a compreensão plena e factível de todas as coisas. Adorei teu texto e reflexão.Simples, direto, no eixo, no foco.Continua assim, humana e corajosa. Você tem muito a nos ensinar.E vamo que vamo!

Alê Marcuzzi disse...

Stela, um abraço bem forte cheio de coragem e lung pra ti.

Lobinho, que lindas suas palavras, deixa esse lobo uivar!

Rê, a leoa está solta rs

Valeu Andrezinho!

Dani!! Que emoção vc por aqui!!
Obrigada amada

Kober!!!!! Você me pegou de surpresa, me emocionou, arrepiou, nossa que generosidade essas palavras lindas, senti seu coração aqui.

Muito obrigada amigos amados

namastê

alê

Rodrigo Marcilio disse...

Muito boas as suas reflexões... Este é um grande sentimento... me questionei por muito tempo... Sou eu inadequado... ou outros é que são... dificil saber... por muito tempo sentia-me isolado em tempo e espaço... hoje compreendo que o mundo oferece espaço e tempo a todos os seres !!! a inadequação vêm de uma percepção ampla de coisas que outras pessoas por estarem entorpecidas, não percebem... mas têm potencial para !!! estamos despertos e dormindo... ou quando dormimos é que depertamos ??? tal como o TAO... são inúmeras as possibilidades e caminhos... mas o TAO que é dito... não é o verdadeiro... pois é uma experiência e não uma palavra... palavras são apenas signos e simbolos de experiências que tentamos compreender e transmitir a outra pessoa... mas tal como o rio o seu destino é chegar a fonte... o oceano de onde se origina e separou-se um dia... para após percorrer grandes distâncias... muitas vezes evaporando-se... só para então voltar a grande fonte... se somos apenas gotas neste imenso oceano... bem uma gota a menos sempre fará falta... o melhor que podemos fazer como você mesmo refletiu... é não oferecer resitência... pois a agua não briga com a pedra... ela apenas desvia... e volta a fluir !!!

Namaskar!

Rodrigo Marcilio

Leonardo Schunk disse...

Ainda preciso aprender a abençoar as trevas.....e a tirar o véu que eu mesmo teci....
Lindo post. Parabéns !

Alê Marcuzzi disse...

Oi Rodrigo,

é isso mesmo, mas a minha inadequação descobri que vem do fato de querer me adequar e principalmente de não estar no meu caminho.
Agora me sinto mais autêntica e por isso mais forte, ainda com visões diferentes, ainda a excêntrica, maluquinha, diferente e tantos rótulos que adoram me dar.
Me divirto mais com eles, não me cobro coerência, me entrego pra inteireza. E acho que um caminho com a minha história começa agora, um caminho mais pleno e inteiro, com certeza vou ser desafiada diariamente, pra isso, a coragem, sempre a coragem , sem ela não somos honestos, com ela, somos, apenas.

Leonardo

Caminhe, todo dia, passo a passo e quando sentir o cheiro não tenha dúvida, vá fuçar pra ver o que é! rs

namastê

Mari disse...

Obrigada pela oportunidade...ler sua postagem foi um presente!
Boa semana!
Um abraço
Mari

Alê Marcuzzi disse...

Obrigada Mari pela troca

namastê

Rodrigo Wentzcovitch disse...

Olá Alê... estou sentindo falta de suas reflexões !!! Estou anciosamente esperando pela próxima mensagem que irá postar !!!

Namastê !

Rodrigo

Tudo ao mesmo tempo agora disse...

Gostoso o texto, dá pra sentir que veio de dentro mesmo, sem censura, bom pra vc, difícil de escrever, parabéns,
Bjs
Feklink

Alê Marcuzzi disse...

Oi Rodrigo, como vc deve ter visto já, mais um texto saiu do forno! Obrigada por acompanhar.

Oi Fê, bom vc por aqui, obrigada!

namastê

Sheila Budney disse...

Às vezes a gente lê coisas que vão direto na ferida né... Alê, meu maior desafio é botar pra fora o que penso. Porque também fiquei um tempo (fico ainda) achando que falar é ser agressivo e ser agressivo não combina com ser bom. Baita desafio! Mas senti que uma coisa aconteceu: a chegada da Marina está facilitando um pouco esse processo para mim. Espero chegar lá!
Beijos, adorei o texto.

Sheila Budney disse...

Às vezes a gente lê coisas que vão direto na ferida né... Alê, meu maior desafio é botar pra fora o que penso. Porque também fiquei um tempo (fico ainda) achando que falar é ser agressivo e ser agressivo não combina com ser bom. Baita desafio! Mas senti que uma coisa aconteceu: a chegada da Marina está facilitando um pouco esse processo para mim. Espero chegar lá!
Beijos, adorei o texto.

Alê Marcuzzi disse...

Meu apego quer deixar essa mensagem pra posteridade virtual,publico aqui o comentário via e-mail do Lama Padma Samten, uma alegria muito grande!

"Viva, viva, muito lindo o relato, obrigado! Lama."

Sinara disse...

Acabei de descobrir seu canto e adorei seu post, com certeza muitas pessoas se identificam com ele... saber se estamos no nosso caminho ou fugindo dele é um desafio...saber quem somos é um desafio maior ainda! beijo

Alê Marcuzzi disse...

oi sinara, grata pela visita, apareça mais vezes!
quanto ao quem somos, talvez uma boa idéia seja se ater ao que nunca muda no meio de tantos "somos", pois no fim das contas são tantas mutações né? ;-)

namastê