quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Viajar Rezar Amar

Eu num rio seco encontrado de surpresa na estrada rumo a Queenstown/Nova Zelândia. Inesquecível.

"Aprenda a lidar com a solidão. Aprenda a conhecer a solidão. Acostume-se a ela pela primeira vez na sua vida. Bem vinda a experiência humana." Elizabeth Gilbert



Esse texto surgiu a partir do filme "Comer, Rezar, Amar". Eu cheguei até esse filme a partir de comentários de amigas que insistiam para que eu lesse o livro pois era "a minha cara". Confesso que o livro não me agradou (não passei do primeiro capítulo) quanto ao filme achei um tanto superficial e esteriotipado mas com momentos divertidos e nuances interessantes. O que escrevo aqui é a partir do meu olhar de hoje sobre a minha própria história, que de certa forma guarda tantas semelhanças com a de Elizabeth quanto com qualquer outra humana que inclua amor, dor, busca e uma certa coragem.

Em resumo, a protagonista Liz resolve fazer uma viagem para Itália, Índia e Bali após um divórcio doloroso, um novo relacionamento frustrado e muitas perdas. A proposta era realizar alguns desejos: aprender italiano e comer muito bem na Itália, se hospedar no ashram da guru do ex-namorado na Índia e terminar o ano em Bali com um xamã que havia conhecido um ano antes e que tinha feito muitas previsões para a vida dela. (de acordo com o livro ela foi patrocinada por uma editora para que escrevesse um livro sobre essas vivências). Esse primeiro texto surgiu para compartilhar alguns fatos e sensações sobre essas "semelhanças" sendo a principal diferença que muito do que Liz vivenciou em viagens eu experienciei aqui mesmo no Brasil, a maior parte do tempo dentro do apartamento onde morei com meu ex-marido.
No auge da adolescência meu maior sonho era encontrar o "homem da minha vida" e  ter uma relação "de verdade", daquelas em que construímos uma vida juntos, passando por tudo o que for necessário. Não era casamento nem filhos, era exatamente essa descrição. Depois do término do meu primeiro namoro, alguma fada madrinha me ouviu e eu conheci e me casei com esse homem como já foi relatado nesse texto antigo.
Durante uma determinada parte do casamento, minha vida era tão formalmente perfeita que eu me sentia extremamente culpada por ter crises e inquietações e as pessoas ao redor reafirmavam o quanto eu não tinha "do que reclamar" (o que só piorava minha angústia) mas o fato é que eu sentia falta de algo que não sabia explicar o que era. Como Liz, chorei muitas vezes sozinha no banheiro para que ele não ouvisse, implorei ajoelhada a Deus por uma saída, sofria querendo uma mudança que não sabia qual era, num limbo existencial terrível. A angústia não era a falta de amor por aquele homem mas talvez de alguma aspiração perdida dentro daquele sonho tão bem empacotado e do qual eu não me sentia mais parte.
Nos seis meses que antecederam o fim, comecei a engatinhar alguns passos rumo a essas aspirações, pois aquela angústia havia chegado a um primeiro limite. Tudo começou quando ainda casada, reservei um fim de semana num hotel com atividades que incluiam espititualidade (interesse sempre presente em minha vida e cultivado de várias maneiras desde a infância). Fiz minhas malas escondida para que meu marido não percebesse, não queria nenhum empecilho emocional ou prático para aquela pequena subversão. Naquela sexta-feira, pela primeira vez na vida peguei a estrada sozinha para um lugar desconhecido, encrustrado nas montanhas de Minas Gerais. Esse fim de semana marcou o momento em que não daria mais pra voltar atrás, descobri que por mais que ainda houvesse amor por meu marido, nosso relacionamento não mais acompanhava algumas necessidades e buscas que estavam muito vivas em mim, apesar de adormecidas até então.
Meses depois o rompimento se concretizou, de uma forma prática bem mais feliz que a de Liz, mas com muita dor também. Minha mãe teve um enfarto no mesmo mês da separação e minha vida estava completamente sem chão, se eu já não sabia quem era no casamento, fora dele parecia que a coisa tinha ficado pior, não havia homem da vida, casal perfeito, nem lar doce lar, nenhuma única identidade para me apoiar!  Fragilizada, abafei um pouco da dor querendo "poupar" minha família para que não se desestruturasse ainda mais. Naquele momento eu era apenas um contorno de alguém com duzentas coisas práticas e urgentes para lidar, sendo eu mesma a última prioridade…
Passado o furacão e a apatia depressiva, resolvi levantar e encarar a vida sozinha, tomada por uma grande curiosidade de saber que cheiro e que gosto tinha, nada podia ser pior do que estar sem perspectivas. Estava com vinte e tantos anos e muito medo, mais uma vez estaria na "contramão" em relação a maioria das pessoas; namorei a vida toda e não tinha muita experiência de "balada", embora sempre tenha saido com amigos, mas estava me relacionando desde os 14 anos e há 11 anos com uma única pessoa! Quando me casei minhas amigas estavam se dedicando a carreira e vivendo a vida de solteira intensamente, agora separada, muitas estavam a procura de um parceiro e bem sucedidas enquanto eu queria descobrir como seria minha vida sem o referencial de uma relação amorosa e ajustar o profissional que estava instável há um bocado de tempo.
Um pouco mais fortalecida e com o apoio de novas amizades, embarquei numa vida social completamente nova e durante aquele ano me permiti fazer apenas o que eu desejava de verdade. Fiquei surpresa (pra bem e pra mal) em como mundo havia mudado! Comecei a frequentar círculos e locais diversos, conhecendo em um ano mais gente que havia conhecido nos últimos 10 anos. Paralelamente comecei a estudar o Budismo em um Centro (não com a mesma frequência, confesso rs) e era quase esquizofrênico para meus amigos: um fim de semana eu estava em Maresias curtindo praia e balada e na semana seguinte em algum evento de yoga ou retiro espiritual.
Nesse tempo me atirei em tudo que me fizesse confrontar com velhos medos e paradigmas e que me trouxesse novas experiências, desde fazer hipismo para perder o medo de cavalo a trabalhar em outro Estado com pessoas totalmente desconhecidas. Sentia uma necessidade visceral de respirar novos ares, de saber quem eu era sozinha. Uma das maiores experiências aconteceu no fim daquele ano, uma dessas amigas recentes me convidou para uma viagem a Austrália e Nova Zelândia que estava planejando há algum tempo e era exatamente a viagem que eu cogitava como um próximo sonho com meu ex-marido. Não hesitei, principalmente pela chance de perder o medo de viajar sozinha de avião, optei por pegar um vôo separado de minha amiga para o outro lado do mundo no dia 24 de dezembro, a primeira vez em que passaria o Natal sozinha com umas 19 horas de vôo pela frente.
Como Liz, também conheci um outro homem depois da separação por quem me apaixonei e com quem tive uma relação muito viva e cheia de energia, fundamental pra desabrochar qualidades como mulher também muito novas pra mim. Soube enfim, o que era amar novamente, esse foi, de certa forma, meu "Comer, rezar, amar."
Passado anos de tantos acontecimentos fortes, descobertas fascinantes, grandes novidades, emoções, viradas de vida e desejos realizados, minha visão tem mudado frequentemente, grande parte graças a espiritualidade. Durante os anos desse relato inicial acredito que eu tenha atravessado a tempestade a nado com tudo que tinha pela frente (como bem disse meu ex- namorado) com a sorte de muitos oásis no caminho. Mas olhando um pouco mais de perto a maior parte do que eu desejava estava muito atrelada ao externo (o que é de certa forma natural) a um certo vício por esse alimento que era dado a cada superação e ousadia realizada. Na ausência disso parecia que eu enfraquecia, havia uma queda de energia quando as condições começavam a ficar não tão favoráveis, a frustração era muito mais dolorida, dramática. Então, após o rompimento daquele novo relacionamento e de muitos fatores externos em constante desconstrução, eu comecei a experenciar um novo caminho sozinha, no sentido de cada vez menos referências passadas para me apoiar, muitas estruturas ruidas e o chão desabando de forma bem mais profunda (incluindo o abandono da minha ex-profissão por uma que não tinha a menor idéia do que poderia acontecer). Sem a referência de uma relação amorosa, foi natural e diria até inevitável, o maior aprofundamento no meu processo individual por não poder escapar de mim mesma de nenhuma maneira.
E como alguém que tem gosto especial por aventuras, essa, apesar de muito mais dura e desafiadora, eu também não poderia perder. Há poucos anos iniciou-se meu “Pensar, contemplar, repousar", o meu caminho natural para depois de um "Viajar Rezar Amar", tema da segunda parte desse texto.
Quero registrar aqui gratidão a cada elemento dessa maravilhosa jornada, cada amor, cada paixão, cada lugar, cada ser, cada companheiro de caminho. Gratidão a essa casa onde moro que me acolheu nesse processo todo, que foi castelo de Cinderela a ninho de águia. 

E adeus a tudo que renuncio e abro mão nesse exato momento, adeus com muita gratidão.



P.S: A trilha sonora de "Eat Pray Love" é muito boa, convido vocês a ouvirem duas músicas: uma do filme cantada pelo Eddie Vedder e outra do Hoodo Gurus que poderia estar no meu filme "Travel Pray Love" ;-).

2 comentários:

Anônimo disse...

Alê, acompanhei, ao alcance dos meus olhos, parte desse processo que se finda. Se disser que não foi naturalmente e a seu tempo, então não entendo mais nada dessa vida. Fico feliz e sei que caminhaste na mais verdadeira busca de si mesma. A prova disso é a capacidade de sentir gratidão pelo que poderia ter mas se desapega exatamente por entender que o desapego e a gratidão libertam e abrem as asas. Parabéns! Te encontro logo alí, tenho certeza disso, pois caminho a passos firmes nessa longa, dolorosa e deliciosa descoberta de mim mesma.

Alê Marcuzzi disse...

Bete querida

Sempre emocionante ler seus comentários tão sensíveis, receber esse olhar humano daqueles que me compreendem e viveram comigo tantas etapas é uma benção, é o que me move ainda mais.
O caminho é muito solitário, mas de forma alguma ele precisa ser triste e sozinho. Caminhe, tô te vendo daqui tb.

Namastê