segunda-feira, 11 de julho de 2011

Blue Valentine



"Tão bom morrer de amor... E continuar vivendo." Mário Quintana



Blue Valentine, filme de Derek Cianfrance com Michelle Williams no papel de Cindy e Ryan Gosling como Dean. O filme trata da história do casal intercalando os momentos iniciais do relacionamento com o presente, onde o casamento está desmoronando.

O significado do filme se resume a cena inicial: uma garotinha gritando pelo cachorro que fugiu, desesperada por achá-lo. Os pais também ficam preocupados e Dean indaga Cindy: "Quantas vezes te disse pra prestar atenção e não deixar o portão aberto?" Desespero, encontrar um culpado, se apoiar em esperança, procurar uma forma de dar certo a qualquer custo, sucumbir. Nossas relações são como um cachorro perdido.
É assim, deixamos o portão aberto e nos perdemos sem saber o caminho de volta. Embarcamos em mundos que vão gerar sofrimento. Empolgar-se com as cenas bacanas de amor ou entrar num niilismo pela dor e tristeza da crise não são Blue Valentine. A beleza do filme é justamente toda confusão, alegria, tristeza, brilho que faz parte de uma história de amor vivida.

Uma das cenas mais lindas do filme ilustra bem isso: ele canta uma canção de amor triste no violão e ela dança feliz, num improviso espontâneo e simples com direito a uhu! no final ;-)



Vamos começar pelo fim. Onde queremos de qualquer forma retomar as sensações do passado, nos agarrarmos a momentos que acreditamos resolver ou renovar a relação em seu estado de crise. Onde nos perdemos e queremos encontrar um culpado, seja o parceiro ou qualquer outra situação externa como falta de sexo, rotina, trabalho, filhos.
O fim é a tentativa de manutenção do começo a todo momento.

Vamos terminar pelo começo. Quando saem faíscas por termos encontrado um ser especial com quem temos mil afinidades, cuja companhia nos dá muito prazer e por isso queremos cada vez mais por perto. Quanto mais aventuras, histórias pra contar e fogos de artifício, melhor.
O começo é a tentativa de delinear um futuro extraordinário.

Vamos caminhar pelo meio. Aqui é o ponto. O meio é ao que menos prestamos atenção e é ele o principal portão aberto onde o cachorro pode escapar ao menor descuidado. O meio é nossa chance de amadurecer para qualquer que seja o fim. A todo momento da relação podemos simplesmente despertar para novas visões, seja na euforia da paixão ou na tristeza do rompimento, mas se atentarmos para as primeiras oscilações dessa fase intermediária, muito descobriremos sobre como caminhar dali em diante.

Um dos nossos maiores problemas é que não nos permitimos amadurecer da paixão para uma vida "comum" que são esses "entre espaços". Começamos em grande euforia, levamos a sério essa sensação maravilhosa que responsabilizamos um outro ser de nos fazer sentir, nos tornamos ávidos e, tomados por sensações prazerosas e pela vontade de repeti-las, controlamos. Tudo que era para fluir naturalmente queremos controlar para não perder e quem sabe, não repetir o que aconteceu com nossos pais ou em outras relações.
É nessa insegurança "vigilante" que a semente do sofrimento está plantada. Ignoramos a impermanência das coisas com um orgulho infantil de repetição e controle quando tudo o que precisamos é apenas AMADURECER junto com a impermanência.

"Não vamos resolver os problemas que criamos com os mesmos pensamentos que os causaram." Einstein


Após a intensidade do começo, quando acontecem mudanças conforme a intimidade e convivência aumentam, quando o gostar começa a se transformar num "não sei bem se gosto disso" é necessária uma disposição interna para contemplar. Deixar a euforia e ansiedade de lado e apenas  observar esse novo panorama que se apresenta aos nossos olhos.  Se conseguirmos mais pausas para que possamos ser observadores desses momentos, maior a chance de uma relação positiva. Isso não significa eterna, mas de alguma forma um relação transformada pela maturidade do olhar pode sim, durar para sempre, mesmo separados. ;-)

Então no momento em que percebemos que a "paixão" ou o "amor" que sentíamos estão mais "mornos", esse é o meio. A oportunidade de amadurecer a verdadeira motivação para que a relação prossiga. Qual a real motivação para estar com essa pessoa, agora que descubro que ela não é tão perfeita como eu imaginava, bem como a relação que nós começamos?
A motivação por si já vai nos sinalizar o que vem pela frente. Se nos motivarmos a estar com aquele ser por ter interesse na pessoa, estaremos mais abertos a essa impermanência agindo. Quanto mais estivermos conectados as sensações que temos com a pessoa, maior o vício e o sofrimento a seguir. A questão é que não queremos contemplar nada disso, seguimos justificando os problemas com causas externas e nossos sentimentos por apenas senti-los. Não queremos amadurecer para encarar o que em nós provoca o desconforto, então o desconforto nos acompanha paralelamente as sensações de prazer e assim seguem intercalados (justamente como na excelente edição do filme). E sem a pausa, tende a crescer sem limites, sem que sequer notemos.

Atualmente com o imediatismo e velocidade com que levamos a vida, perdemos a noção do tempo natural das coisas, o que uma observação de qualquer fenômeno na natureza nos mostra claramente. O amadurecimento de um fruto não é de uma hora pra outra, não passa da cor verde para a cor do fruto maduro imediatamente. Tirar um fruto verde da árvore é matá-lo precocemente. Deixar um fruto maduro no pé vai fazê-lo apodrecer e cair. Qual o momento certo da colheita? O momento em que  acompanhamos as nuances das cores desse fruto até saber o momento em que não mataremos e não o deixaremos apodrecer. Esse é o "meio" a que me refiro.
A impressão que tive ao assistir o filme é que ele nos mostra como é ir do branco para o preto, para que possamos refletir sobre essas nuances de cores intermediárias. Esse é o ponto do filme a que quero chamar o leitor a refletir. Ter um referencial mais lúcido é sempre um bom caminho e se parece impossível no começo e no fim, tratemos, com cuidado, atenção, visão ampla, o meio de uma relação, já que a temperatura não está tão quente nem fria quanto nas outras duas pontas ;-)

"Eu acho muito bonito esse processo onde a pessoa se expõe as coisas e quando ela se expõe, ela vê melhor. Uma mente livre se expõe enquanto anda no meio das coisas. Se eu pretendo ter aquilo como lucidez eu tenho que viver as coisas sem maquiagem, com a cara que elas têm, é uma grande habilidade. " Lama Padma Samten

Outro ponto é a exposição. A fantasia inebriante do começo, baseada numa idealização que a maior parte do tempo joga luz em qualidades que ao fim do encanto viram sombra na mesma medida, é o que chamo para alguns amigos de "walt disney básico 1" rs. Esse momento pode ser muito rico pois apenas sonhando podemos realizar algo. Mas queremos sonhar e ter fogos de artíficios na realidade como no castelo da Disneylândia sem nenhum trabalho, e queremos. Sustentar esse encanto é o que nos pesa, ter como referencial principal a atração pirotécnica é o que vai pesar sobre nós no fim das contas. E é algo muito sutil e traiçoeiro, pois passa por um verniz de "leveza", "viver a vida", um hedonismo velado que terá seu devido preço no final.
Dessa forma, não nos expomos a viver uma relação na prática com tudo o que ela inclui. Vivemos em busca da fantasia, em conceitos, estéticas e considerações.
Mas só a convivência, a exposição na vida como ela realmente é nos fará despertar do sono da Bela Adormecida, que espera que algo externo venha tirá-la da torre onde aguarda que o sonho a salve.
Podemos acordar do sono, descer as escadas do castelo e mesmo de vestido de princesa caminhar pelo sonho. Encarar o que há no mundo, vivenciar, experimentar e se pudermos fazê-lo com um sorriso de monalisa no rosto, um tanto mais lúdico será o passeio ;-)
Esse sorriso de monalisa é uma expressão que uma amiga muito querida me contou. É um sorrir sereno, é saber morrer, porque temos uma perspectiva mais ampla, estamos numa visão mais elevada de vida além de apenas reagir e sofrer com as experiências. Sabendo que o que morre são nossas ilusões e tendo constatado em experiência que nós nos transformamos a todo momento, naturalmente podemos sorrir, simples assim.

Particularmente, o filme despertou uma sensação de dignidade profunda mesmo com a tristeza. Era como se me visse na tela e chorava copiosamente enquanto sorria. Chorava pela morte de um monte de ilusões que já foram devidamente dadas em conta e me alegrava por poder olhar tudo aquilo com bons olhos mesmo que doesse, principalmente por ter tido o privilégio nessa vida de ter vivido histórias de amor profundo, apesar da ignorância, cegueira e tudo de ilusório.

E não seria essa a beleza das relações? Através do amor se permitir ser desconstruído, construído de novo, morrer e continuar vivendo... esse renascimento vale cada fogos de artifício no final. :-)





Outros textos relacionados: Alguns pensamentos sobre o amor, Transcendendo a paixão, P.S: A real story, A insustentável leveza do ser.

P.S: Gratidão ao Lama Padma Samten pelas visões do Budismo generosamente oferecidas de várias formas, especialmente ao livro Mandala do Lótus que foi praticamente um oráculo nesse momento.

Dedico a todos os grandes amigos que respiram junto e me inspiram sempre pela deliciosa troca. Gratidão por todo apoio nas maiores confusões do samsara by night, vocês são ouro! :-))))))

Dedico aos homens dos relacionamentos de todas as cores que já vivi ;-)



Gratidão.