domingo, 10 de agosto de 2014

Sobre (e para) meu pai




Meu pai.
E eu.
Houve um (longo) tempo em que nossas diferenças eram mais reforçadas do que nossas conexões
Um tempo de conflitos inflamados, inflamantes
Eu me achava muito diferente dele, e me sentia inadequada
Ele não achava que eu "tinha puxado a ele" e sentia estranhamento
De certa forma fomos beneficiados por isso conforme amadurecemos, pois acabamos seguindo por uma via muito interessante: um coleguismo que floresceu amizade. 
Como pessoas que convivem de tempos e tempos e vão se conhecendo, meio que por curiosidade, meio  porque vão conviver de qualquer maneira...
A ironia feliz é que acabamos descobrindo nas coisas que mais nos importam na vida as semelhanças não de personalidade, mas de caminhar.

Ele é dessas pessoas interessantes que sabem sorrir diante do que não entendem ou conhecem.
Ele é dessas pessoas que sabe sorrir, sorrir muito, sorrir bem.
Disso surge uma cumplicidade muito implícita nossa, que precisa de poucas palavras e mais presença para se manifestar.
Ele me surpreende muito com suas reações diante de coisas que talvez ele não entenda sobre mim.
Ou que talvez ele entenda melhor do que eu mesma que achava que ele não entendesse... 

Uma outra vez no Natal, estávamos assistindo a um filme sobre Jesus Cristo na TV
Ele gosta muito de contar histórias sobre a Bíblia
Eu gosto muito de ouvi-las
Então perguntei sobre uma história que estava passando no filme, queria entender melhor o sentido
Ele me explicou, eu me emocionei.
E compartilhei algo parecido que havia ouvido no Budismo
(ele sorriu um sorriso de quem dividiu algo precioso e entende que também era precioso para mim)

Há uns dois anos ele estava internado no hospital após ter um AVC.
Sua vulnerabilidade me comovia profundamente, principalmente por imaginar que ele como pai, homem, pessoa, sofria muito nessa posição...
Ele estava na maca para um exame sorrindo um sorriso que queria esconder sua preocupação e eu tentando disfraçar a minha tensão com um bom humor nervoso... 
Ele então saiu da sala de exame muito bem e eu relaxei.
Percebi que tinha um tubinho de plástico perto do quadril e perguntei, fazendo graça:
-       Pai, eles enfiaram isso aí no seu... ? (fazendo um assovio e um gesto com o dedo)
-       Não filha, é o soro! hahahahaha
(ele chorou de tanto rir)

Então ele mudou de hospital e eu estava lá com ele em silêncio no quarto (coisa que costuma acontecer quando estamos só nós dois juntos) e chegou uma visita que eu não conhecia.
Ele orgulhoso me apresentou como sua filha primogênita (ele adora usar esssa palavra)
-       Ah então essa é sua filha casada?
-       Não, é a outra mas essa também já foi.
-       (o homem olha pra mim um pouco espantado) Mesmo? Tão novinha? E não quis casar de novo por que?
 Meu pai se adiantou:
-       Não sei... Ela não casou de novo mas eu não me preocupo com isso. Parece que alguma coisa está dando muito certo para ela, pois está sempre bem. 
(ele sorriu olhando para mim, um sorriso de "tamo junto")

Ali, de uma forma mais profunda nossa cumplicidade ficou sutilmente muito clara
Fiquei tão feliz nesse dia e não sei porque nunca disse isso a ele
Mas suspeito que inventei esse texto só para isso.

Ele fica feliz quando todas as filhas estão em harmonia
Ele fica muito feliz com as famílias reunidas
Ele não entende como eu faço tantas coisas sem perguntar para ele
Ele gostaria que eu perguntasse mais 
Eu tô aprendendo.
Ele fica feliz comendo uma fruta que lembra sua infância
Eu também. 
Ele fica contente com coisas simples. Ele gosta de fazer as pessoas rirem. 
Eu também.
Ele tem fascínio por espiritualidade e se alegra contando situações em que isso se demonstra em sua vida
Eu também.
Ele nunca pede satisfação para mim, mas liga para perguntar onde estou e se estou bem 
Ele liga para dizer que tem saudade
Ele liga para dizer que está indo viajar e quando volta
Eu ligo para dizer que tenho saudade e saber se ele está bem
Eu digo a ele o que se passa no meu coração
Eu aprendi.
Eu digo o que me faz sentido na vida ou as coisas mais bonitas que tenho experienciado
Ele se sente a vontade e diz coisas que me fazem esquecer que ele é meu pai
Então ele me abraça com um sorriso e uma piada

E eu me lembro que tive a sorte de ele ser também

Meu pai.






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